Este é o blog oficial do jornalista, assessor de imprensa, palestrante e escritor Rodrigo Capella

quarta-feira

Uma boa dose de sorte


Os livros Conversas com Almodóvar e Conversas com Woody Allen chegam ao mercado para revelar técnicas e bastidores do cinema


Por Rodrigo Capella*

O que mais chama a atenção na sétima arte não são as imagens ou o roteiro. Mas, sim o que está por trás deles. Poucos foram, entretanto, os filmes que exploraram esta faceta e conseguiram apresentar detalhes interessantes dos chamados bastidores. Para suprir esta escassez, as editoras colocaram no mercado livros inspirados em filmes, que ganharam força, principalmente, neste século.

A consolidação veio com Fahrenheit 11 de setembro – o livro oficial do filme, lançado em 2004, por Michael Moore – o polêmico cineasta e rival declarado de George Bush. Com a proposta de revelar detalhes ainda mais polêmicos sobre o atentado contra as torres gêmeas, o livro trouxe provas utilizadas durante as filmagens e apresentou também artigos, cartas e fotos.

Com o sucesso da obra Fahrenheit, as estantes das livrarias foram imundadas por livros apoiados em filmes, atores e diretores, contribuindo para uma sensível melhora deste tipo de gênero literário, que pode ser notada nos lançamentos Conversas com Almodovar e Conversas com Woody Allen.

Ambos, em uma primeira análise, parecem se apoiar bastante no clássico livro Hitchcock/Truffaut: Entrevistas, resultado de uma série de conversas que o diretor de “Os Pássaros” teve, na década de 50 e 60, com o também cineasta François Truffaut, de “O Homem que amava as mulheres”.

Mas, essa impressão, leiga, por sinal, rapidamente se desfaz: enquanto o livro do mestre do suspense se restrigue a detalhar a trajetória com o objetivo de desfazer uma então má impressão que os americanos tinham de Hitchcock – consideravam-o mediano e comercial -, os livros de Almodovar e Woody Allen nasceram com propostas distintas.

Conversas com Woody Allen, de Eric Lax, é resultado de mais de 30 anos de entrevistas, a primeira delas em 1971, e revela inquietudes, processo criativo e, principalmente, métodos de filmagens: “anoto o tempo inteiro - às vezes, quando começo a filmar no set, penso comigo mesmo: Essa cena vai ficar fantástica se eu usar música clássica, e não jazz”.

Mostra também curiosidades, como tomadas preferidas de câmeras – “pessoas andando na calçada, e a câmera está na calçada oposta, paralelamente”. Mas, sobretudo, apresenta um Woody Allen que ainda teima em se auto-definir como inconsciente, mesmo tendo levado ao cinema filmes como Match Point, com fortes elementos da obra Crime e Castigo, de Dostoyevsky.

Já Conversas com Almodovar é uma obra bem mais pessoal e facilmente aceita em um momento de Big Brother. O livro revela, além de detalhes de filmagens e trajetória, algumas preferências deste cineasta, como livros, filmes e até mesmo cor – “o vermelho está sempre presente nos meus filmes, não sei por quê. Mas, é possível encontrar uma explicação. A mais insólita é que na cultura chinesa o vermelho é a cor dos condenados à morte “.

Mostra também um Almodovar admirador de esporte: “os esportistas têm um físico extraordinário, o físico de pessoas que sofreram, que lutaram”. E que revela, sem fazer mistério, as suas jogadoras preferidas: “nesse aspecto meu sentimento continua muito nacional, a Arantxa Sanchez é minha preferida. Mas também gosto de Monica Seles, apesar de ser uma espécie de demônio na quadra”.

É, Almodovar mostra ter um razoável entendimento do tênis, esporte que norteia o filme Match Point, de Woody Allen. Teria ele, então, feito um longa-metragem mais impactante? É difícil afirmar.

Fica claro, porém, que após a leitura desses dois livros, o cinema dos grandes cineastas, assim como a vida real, é feito – em alguns casos - com uma boa dose de sorte.

Conversas com Almodóvar, de Frederic Strauss. Editora Zahar. Preço: R$ 44,90.
Conversas com Woody Allen, de Eric Lax. Editora Cosac Naify. Preço: R$ 65,00

(*) Rodrigo Capella é escritor, poeta e palestrante. Autor de 12 livros, entre eles “Rir ou chorar”, que desvenda os bastidores do cinema brasileiro. Mais informações: www.rodrigocapella.com.br