Escritor gaúcho Carlos Nejar propõe, em “Carta aos loucos”, uma enigmática e divertida teoria
Por Rodrigo Capella*
As polêmicas que rondam a poesia são mais fortes do que os próprios versos. Se vende ou não, a quem cativa e onde estão os bons e jovens poetas. Se existem, são poucos. E, na maioria das vezes, escondem-se na gaveta, com medo da crítica e do público.
Melhor então recorrermos aos tradicionais poetas, embora a maioria ainda não seja conhecida pelo grande público.
É o caso, por exemplo, de Carlos Nejar, 69 anos, cujo nome pode causar uma certa estranheza, em uma primeira pronúncia. E olha que não lhe faltam boas qualificações: ocupa a cadeira de número quatro da Academia Brasileira de Letras, lançou mais de 20 livros e conquistou prêmios importantes, como o Fernando Chinaglia, concedido pela União Brasileira de Escritores.
Mas, entretanto, não pode ser considerado um fenômeno editorial. É, talvez por isso, que em dois de seus mais recentes livros, lançados em 2008 pela Novo Século, o gaúcho tente justamente aproximar, em um primeiro momento, a sua escrita da grande massa. Em Carta aos loucos, recorre ao popular Paulo Coelho. No prefácio “A sábia e inovadora loucura de Nejar”, o milionário escritor define a obra como “arte de romancista renovador, através da saga de um povoado”.
Mas, Paulo Coelho não pára por aí e vai além. Chega até a filosofar: “A grande escritora brasileira, que é Clarice Lispector, identificava-se com Carlos Nejar, ‘tão burro quanto ela’. Essa ‘burreza’ é a douta ciência de saber que a vida é sempre mais forte e invencível quando se ama”.
Já em Jonas Assombro, o poeta apresenta versos emotivos e centra a narrativa em temas de fácil aceitação, como amor, saudade e esperança: “o coração sabe mais do que os dedos, olhos. E a noite não tem pálpebras”. E conquista o leitor: “sim, era amor um subir o rio, para que o rio subisse até nós. E sabíamos que o alvorecer dava voltas em nós, enquanto dávamos voltas no alvorecer”.
A utilização desses recursos, contudo, não desgasta a força das obras e a linguagem toda particular de Nejar parece ganhar forças a cada linha: “a melodia arrastava, de roldão empurrava e as almas começavam a ruflar fora do corpo. E a beleza ou fealdade eram terríveis, abalando os olhos, uns dos outros”.
O que diferencia fortemente os livros Jonas Assombro e Carta aos loucos é justamente esta composição de elementos. No primeiro, contida: “chove a luz molhada sobre os corpos e as palavras já são terra, ossos que se desmancham nas espigas”. No segundo, mais audaciosa: “a loucura é a sensatez do tempo. E o tempo, o sonho do que vive”.
Loucura, essa, capaz de tudo. Analisar a fundo uma simples estante de obras: “eu vivia mais entre os livros especiosos da biblioteca que reuni. Nada para mim, ali, era demasiado”. E também traçar uma complexa teoria ou dogmas funcionais da fome, descrita, em poucas palavras, como “condição humana que habitamos”. Inclui dez ítens, muitos deles curiosos e divertidos. Cito apenas alguns deles, sem revelar detalhes: “é desigual na fama”, “morde, morde até a sombra” e “espera a vez na moita”.
Esse é Carlos Nejar. Traços e atitudes globais que seriam aceitos em todos os países. Até porque, para quebrar as regras e propor algo inusitado e bom, é preciso conhecer muito bem o que se faz.
Carta aos loucos, Carlos Nejar. Editora Novo Século. R$ 35; 256 págs.
Jonas Assombro, Carlos Nejar. Editora Novo Século. R$ 29; 160 págs.
* Escritor, poeta e palestrante. Autor de doze livros, entre eles “Poesia não vende” e “Transroca, o navio proibido”, que está sendo adaptado para o cinema pelo diretor Ricardo Zimmer. Informações: www.rodrigocapella.com.br